Hoje eu digo: O Exame da OAB é inconstitucional

Os editores desse blog se submeteram ao IV Exame Unificado da OAB. Ambos aprovados na primeira fase e guerreiros na 2ª fase em Direito Tributário. A primeira vez agente nunca esquece, e queremos registrar um pouco de nosso sentimento e daquilo que temos pensado sobre o Exame da OAB, após nos submetermos a prova de 2ª Fase.

Os dias que antecedem o Exame são de angústia; a todo o momento o medo de não ser aprovado invade nossas mentes, mas temos que lutar contra ele e focar os ultimos momentos de estudo naqueles aspectos que ainda não temos domínio pois, nunca se sabe o que será cobrado. Além do medo e da angústia, enfrentamos a cobrança de pais, amigos, familiares e outras pessoas que acreditam que você - por ser um bom aluno, filho, amigo etc - terá aprovação certa, que irá "tirar de letra", mas você, dentro do seu coração sabe que não será fácil e que a aprovação não é tão certa assim. Então, soma-se à cobrança a necessidade de não decepcionar as pessoas que te cercam.

Tudo isso apenas por um objetivo, poder exercer a advocacia. É bem verdade que muitas pessoas se aventuram no Exame da Ordem por uma "questão de honra", ainda que tenham carreiras públicas e venham a suspender sua inscrição logo após obtê-la mas, afinal, bacharel que não passa no Exame da Ordem não é nada, não é ninguém, ainda que jamais exerça a advocacia.

Bom, então vem o dia do Exame. Frio na barriga, preocupação com o material que será usado e a tensão típica de qualquer prova. Você chega na sala, faz os trâmites de conferência e resolve dezenas de questões alternativas. Seu objetivo? 50% de acerto. Parece fácil, mas não é. O Exame te cobra detalhes específicos, temas que muitas vezes não são vistos nas melhores graduações, as vezes nem mesmo nos cursinhos. Após a prova, a sensação é de que você não sabia nada, afinal, muitas questões foram resolvidas com base no raciocínio jurídico, você não tem certeza de quase nada.... ficou entre duas em dezenas de questões e optou por aquela que parecia melhor.

Após a 1ª Fase, caso seja aprovado, a angústia, o medo, a cobrança e a necessidade de não decepcionar retornam, agora com maior intensidade. Ora, se você passou na primeira fase, onde - em média - 80% dos estudantes são reprovados, você irá matar fácil a 2ª fase (é o que pensam!!).

Estudos aprofundados em áreas específicas se seguem. Não adianta decorar o código, tem que saber manuseá-lo. Infelizmente a necessidade de um cursinho se apresenta para muitos, já que na graduação é sabido que não há tempo - na maioria das faculdades - de abranger todo o conteúdo das matérias e, ainda que seja possível, nem sempre dá para aprofundar em nível suficiente para encarar a 2ª fase com tranquilidade.

Chega o dia da prova. Uma peça prático-profissional e quatro questões abertas. Temas diversos dentro dos campos da ciência jurídica.

Finalmente, você se depara com "pegadinhas", questões mal redigidas, erratas e tantas outras agruras. Olha as questões e quase nada vem a mente de imediato, as cobranças vem a mente, o medo tenta assombrar, a angústia aperta o coração.... Alguns superam rapidamente essas sensações, outros sucumbem e se paralizam. 

Questões e peças com diferentes graus de dificuldade para cada área. As vezes Direito do Trabalho é mais exigente, as vezes Direito Tributário, outra vezes Direito Civil. É uma espécie de filtro, onde houver mais inscritos, mais exigente é a prova, afim de manter um nível de aprovação dentro dos parâmetros de interesse da Ordem dos Advogados do Brasil.

Após a prova da 2ª Fase, cada examinando afirma ter certeza de uma tese diferente da sua,  e sua confiança vai para o ralo. A certeza após a prova é só uma: "me ferrei!!!". Ao chegar em casa, acessando a internet, vêm as "mesas redondas" de diversos cursinhos. Cada professor de determinada matéria com uma tese diferente para a peça e para as questões, poucas coisas são coincidentes e pior, muitas coisas você não colocou, nunca ouviu falar, nem imaginava que poderia ser cabível aquele argumento naquela peça ou questão.

A angústia nos dias seguintes aumenta. A mente não para de remeter os pensamentos para os erros que você sabe que cometeu e para aqueles que você não sabe que cometou, mas o pensamento antecipatório de desastre não te deixa quieto. São noites mal dormidas, desconcentração, ansiosidade e tantas outras sensações. Não....!, o examinando não é psicótico, não é depressivo, não é esquizofrenico, apenas não sabe o que o padrão de respostas irá pontuar. Não sabe se o artigo de lei que ele citou será considerado, não sabe qual a consequência por não ter citado determinada lei, não sabe se sua peça abrangeu todas as teses que a banca examinadora espera, não sabe de nada.

Os cursinhos e os professores da faculdade dão uma orientação, o que acalma alguns e angustia ainda mais a outros, mas tudo depende da Banca Examinadora. Ela pode desconsiderar uma tese brilhante, apenas por não estar descrita no padrão de respostas, pode ignorar uma resposta correta e bem redigida, apenas porque não citou um único artigo de lei. Pode achar sua letra ruim, pode achar que você se identificou em algum local, pode.. pode ... pode....

Até o resultado preliminar a tranquilidade vai chegando devagar, para uns pela convicção de que será aprovado, para outros pelo conformismo de que não foi aprovado. Muitas surpresas acontecem, boas e ruins, e chega o momento do recurso e todos os sentimentos retornam ainda mais fortes.

Tudo isso nós comentamos para compartilhar a realidade de pessoas comuns, estudantes de Direito, que felizmente cursam uma boa faculdade, têm um bom desempenho acadêmico, mas tem seu conhecimento medido de forma injusta, agressiva e, por isso, inconstitucional.

Não é natural que estudantes sejam submetidos a tanta pressão psicológica, a tantos desmandos, a tantas agruras, por uma mera reserva de mercado. Muitas pessoas capazes prestam o Exame de Ordem  por 2, 3 vezes e não são aprovados porque se deparam com uma prova que cobra do bacharel um conhecimento só exigível de um profissional experiente da advocacia ou um pós graduado. Por outro lado, pessoas com baixo rendimento acadêmico - e não poucas - são aprovados no primeiro exame que prestam, pois tiveram as condições financeiras e de tempo para memorizarem macetes de cursinho, sendo treinados para uma prova e não para a carreira jurídica. Naturalmente existem pontos de equilíbrio, mas é inegável que muito do que citamos acontece em todos os exames.

O Exame da OAB acarreta consequencias as piores na vida de um estudante comum. Não é igualitária! Não pode ser considerado natural e constitucional, tomando por base o IV Exame Unificado 2ª Fase, os examinandos em Direito Civil terem um enunciado claro e uma peça profissional simples (petição de alimentos) para elaborar e os examinandos de Direito Tributário terem um MS/Anulatória onde os melhores professores divergem sobre a tese aplicável - quanto mais o examinando. Assim como em outros exames é conhecido o "aperto" na prova de Direito do Trabalho (preliminares, nulidades, tese principal e tese subsidiária) enquanto outras disciplinas encontram questões e peças menos incompatíveis e mais acessíveis aos estudantes. Isso é absurdo.

Essa desigualdade e injustiça, são resultado da fantasia que a Ordem dos Advogados do Brasil  forneceu nos últimos anos ao Exame da OAB, como um "fantasma heróico" no combate às Universidades "ruins". Isso já ultrapassou o limite do bom senso e, da análise dos ultimos exames, nos quais se apresentam incontáveis polêmicas e equivocos, fica evidente que as consequencias danosas recaem sobre elo mais fraco de toda a situação: o estudante/bacharel.

O Exame é previsto em lei? Sim. Mas o que se questiona não sua mera constitucionalidade formal, mas sim a colisão entre princípios fundamentais, o que se resolve pelo uso da razoabilidade e da proporcionalidade. Na prática, o Exame da Ordem é razoável? é proporcional? significa uma mínima intervenção num direito quase absoluto que é a liberdade de profissão? O Exame da Ordem pode até continuar a existir, mas se isso ocorrer, que seja ele um exame de aferição de habilitação profissional para o exercício da advocacia e não um concurso 'público' mascarado.

Por fim, é deveras inocente acreditar que uma única prova é apta a avaliar 5 anos de estudo, apta a avaliar toda a formatação pedagógica de um curso de Direito, apta a selecionar os melhores profissionais. A realidade é clara em demonstrar que os estudantes e bacharéis cada vez mais fazem sua preparação para a aprovação em cursos preparatórios e isso não prepara o estudante para a vida, prepara para uma prova.

Esses são apenas alguns pensamentos, certamente não abrange toda a grandiosidade e complexidade que o tema enseja, mas expressa - e esse é o objetivo - o sentimento de examinandos que vivem a realidade atual do Exame da Ordem, com um visão "de dentro" e não "de fora" do sistema.

É isso!


Um comentário:

  1. Parabéns pelo comentário, é esse meu sentimento também.

    Tomara que o exame de ordem acabe um dia!

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