Artigo: O Principio da co-culpabilidade na atual conjuntura social, econômica e cultural da sociedade brasileira

Por: Rodrigo Ferrini da Rocha Costa - 4°C - Direito Unisal


“A Verdadeira paz somente não é a ausência de guerra, mas sim, é a presença da justiça."

(Martin Luther King)


1. Introdução
O presente artigo tem por objetivo discutir o princípio da co-culpabilidade, o qual não se encontra positivado no ordenamento jurídico brasileiro, porém diante das mudanças sociais que ocorrem diariamente na sociedade e da crescente desigualdade social presente no país, deveria ser adotado. Em vários países já foi o referido princípio positivado e tem gerado grandes discussões a seu respeito, principalmente nos países latino-americanos, entretanto a sua utilização tem sido de grande importância no reconhecimento por parte do Estado da sua parcela de culpa nos delitos praticados por cidadãos que não tiveram acesso a seus direitos econômicos, sociais e culturais.

Mesmo gerando intensas discussões que envolvem doutrinadores, legisladores e operadores do Direito, a co-culpabilidade ainda é um tema pouco estudado, salvo algumas pesquisas e legislações alienígenas.
A co-culpabilidade tem por objeto a busca por um Direito mais humanista e liberal, defendendo os direitos daqueles que foram excluídos pela sociedade moderna e tal exclusão de alguma forma serviu de causa determinante para a prática de um delito.

Consoante com o que propõe em seu preâmbulo a Convenção Americana sobre Direitos Humanos “Pacto de San José da Costa Rica”, in verbis: “Reiterando que, de acordo com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, só pode ser realizado o ideal do ser humano livre, isento de temor e de miséria, se forem criadas condições que permitam a cada pessoa gozar de seus direitos econômicos, sociais e culturais, bem como seus direitos civis e políticos.”.

2. Do princípio da co-culpabilidade

O Direito Penal atualmente tem sido fonte de diversos estudos e produção científica, por se tratar de um campo do Direito ligado às mudanças sociopolíticas e por influenciar a sociedade por inteiro, principalmente no que tange ao direito de liberdade frente ao Estado.

Entretanto, os estudos que vêm surgindo não estão tratando do Direito Penal sob a visão filosófica e social, pois diante de tamanha desigualdade na qual o mundo se encontra é preciso um sistema penal voltado para o pensamento sociológico. O princípio da co-culpabilidade faz justamente essa ligação entre o Direito e a Sociologia, mas não está sendo devidamente explorado, salvo alguns estudos estrangeiros e poucas legislações, para garantir a proteção do socialmente rejeitado frente ao Estado.

2.1 Conceito

O princípio da co-culpabilidade é um princípio constitucional que se encontra de maneira implícita no ordenamento jurídico, pois uma vez que se trata de um princípio a sua positivação não se faz obrigatória, já que os princípios vinculam até mesmo o legislador e este por sua vez concretiza na norma os valores defendidos pelos princípios. Em se tratando do princípio da co-culpabilidade ocorre a consagração dos valores igualdade e dignidade da pessoa humana.

Conforme a definição de Manuel Espinoza a aplicação do princípio da co-culpabilidade é um reconhecimento, da parte do Estado, em face da ausência de prestações materiais, culturais e sociais. A falta de uma postura voltada para o social do Estado constitui grande contribuição na prática de alguns delitos, devendo este assumir uma parcela da culpa.

A sociedade e o Estado ao permitirem a existência de tamanhas desigualdades econômicas, sociais, políticas e culturais estariam de alguma forma reconhecendo que não dão chances iguais a todos, não sendo possível exigir deles um comportamento adequado à lei e aos interesses gerais advindos do Direito. Diante disso coloca-se que nos casos em que o infrator for levado à praticar o crime devido à injustiça que impera na sociedade atual o Estado e a sociedade devem assumir uma “mea culpa”, gerando efeitos práticos não apenas na aplicação e execução da pena, mas também no processo penal.

Entretanto, diminui ou desaparece a co-culpabilidade na medida em que o indivíduo delinqüente teve as mesmas oportunidades materiais, sociais e culturais para se tornar um cidadão honrado e respeitador dos direitos e deveres positivados pelo Direito e das normas de conduta culturais e sociais de convivência.

A aplicação em um caso concreto se dá pelo reconhecimento da parcela de culpa do Estado e da sociedade em delitos praticados por determinadas pessoas, em certas condições, e leva o Direito Penal a diminuir a sua visão ideológica e seletiva, defendendo os direitos fundamentais do homem.

Buscando uma definição axiológica do termo co-culpabilidade se chega à conclusão de se tratar de um sinônimo de culpabilidade pela vulnerabilidade. Vários autores definem a co-culpabilidade através de sinônimos, tais como: exigibilidade social, análise das condições socioeconômicas do agente, culpabilidade delinquencial atenuada, entre outros. Os autores que definem co-culpabilidade através de culpabilidade pela vulnerabilidade, afirmam isso ao elaborar um conceito de culpabilidade de acordo com a realidade socioeconômica e denominam a vulnerabilidade através de uma medida do grau de esforço exercido pelo indivíduo para alcançar uma concreta posição diante do poder punitivo.

O prefixo “co” significa estar junto, dividir algo etc. Partindo dessa noção tem se que o Estado participa de maneira indireta, assume a responsabilidade indireta pelo cometimento de delitos, ficando sujeito a diminuir a criminalidade para que se atinja o bem comum. O complemento culpabilidade admite que o Estado, diante da falta de prestações devidas ao indivíduo, especialmente no que tange à inclusão social dos cidadãos, deve influenciar na cominação da pena, trabalhando de maneira que ocorra uma menor reprovabilidade, isto se tais inadimplências estiverem ligadas diretamente ao delito.

A culpabilidade aqui discutida é abordada de forma diversa à dogmática, pois pune o Estado dada a omissão no cumprimento dos seus deveres constitucionais, gerando conseqüências na cominação, aplicação e execução da pena.

3. O princípio da co-culpabilidade e a Constituição de 1988

O princípio da co-culpabilidade é a concretização dos ideais revolucionários do iluminismo: liberdade, igualdade e humanidade. A Constituição Federal de 1988 traz em seu corpo também essas idéias, sendo a co-culpabilidade implícita na Magna Carta de 1988, em decorrência dos princípios da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da individualização da pena e do pluralismo jurídico.
Ao iniciar o estudo da relação entre o princípio da igualdade e o da co-culpabilidade é preciso antes fazer a indagação: há igualdade ou seria ela uma utopia? A legislação atual é em sua essência desigual, por ser elaborada por membros das classes dominantes que se utilizam dela para permanecer em sua atual posição social e econômica privilegiada.

O Direito é feito pelos detentores do poder e para estes a desigualdade tem de ser mantida por meio desse instrumento de controle social. Dessa forma nunca será atingida a igualdade material, resta então aos estudiosos do Direito buscar formas de amenizar essas diferenças para que se chegue a níveis o mais próximo possível da equalização.

O reconhecimento da co-culpabilidade faz com que o legislador penal e os operadores do Direito Penal passem de meros espectadores da vida social para o papel de efetivos contribuintes na concretização da igualdade, por meio da diminuição das freqüentes desigualdades sociais dos países marginais, como diria Zaffaroni.

O princípio da dignidade da pessoa humana, presente no art.1º, inciso III da Constituição, vincula os aplicadores do Direito e os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário e tem sua efetivação através da conceituação do individuo como “ser humano”.

Um dos meios do Direito para garantir o princípio da dignidade da pessoa humana é a proteção ao hipossuficiente, o que ocorre através de legislações que visam igualar as partes envolvidas, como ocorre no direito do trabalho , direito do consumidor, dentre outros. No Direito Penal essa proteção é garantida pelo princípio da co-culpabilidade, não com o objetivo de igualar o indivíduo ao Estado, mas sim de reconhecer a ineficiência do Estado no que diz respeito a garantir a igualdade de oportunidades e busca reconhecer o acusado como sujeito de direitos, e não como objeto do mesmo.

O princípio da individualização da pena, conforme já foi discutido, tem como escopo limitar o poder punitivo do Estado, tendo íntima relação com o princípio da culpabilidade. A co-culpabilidade atuando como reconhecimento material da reprovação social e pessoal do agente concretiza o princípio da individualização da pena, uma vez que personaliza, individualiza e materializa a aplicação da pena, sempre tendo como base as condições sociais e pessoais do autor do delito.

Diante disso fica evidente que a positivação do princípio da co-culpabilidade no Direito Penal brasileiro proporcionará ao julgador a apreciação de outros fatores como as condições socioeconômicas (miséria, desemprego etc.) que levaram o agente a cometer tal delito.

No que tange ao pluralismo jurídico a aplicação do princípio da co-culpabilidade se baseia na proteção e respeito às classes sociais menos favorecidas e marginalizadas, que se encontram em minoria no poder, porém, se trata da maioria da população, atualmente. Desta maneira se estaria colocando em atuação o verdadeiro espírito democrático em um mundo globalizado, com o devido reconhecimento das minorias.

Conclusão
Conforme o que foi exposto conclui-se que a co-culpabilidade é um princípio implícito à Constituição Federal brasileira, tendo como fundamento o art. 5º, parágrafo 2º, e, portanto, deve ser adotada, pois a atual conjuntura social, econômica e cultural da sociedade exige que algo seja feito com o intuito de pressionar o Estado a assumir sua parcela de culpa na prática dos delitos decorrentes da desigualdade social sem tamanho gerada pela sua inadimplência. Com isso espera-se do Estado uma postura mais ativa no que tange às garantias fundamentais do indivíduo.

A atual situação da economia brasileira, em virtude de uma injusta distribuição de riqueza apoiada numa insustentável política monetária, caracterizando a polarização dos bens de capital, desencadeando, assim, o desajuste socioeconômico, e o flagelo humano, até agora evidenciada, é uma importante barreira a ser transposta ainda que difícil de ser honrada. Os primeiros gastos a serem cortados são aqueles referentes à saúde, educação e lazer da população, influenciando diretamente o futuro daqueles que dependem do Estado para ter acesso a tais serviços.

A efetiva positivação da co-culpabilidade na legislação penal irá diminuir a exclusão social e terá o objetivo de proteger os que se encontram atualmente marginalizados, contribuindo dessa forma para a sua inclusão no convívio social. Em resumo a co-culpabilidade:

 Busca um Direito Penal mais efetivo, humanista e liberal;

 Já é positivada em vários países da América Latina, e tem seu campo de atuação não apenas nos países sub-desenvolvidos, tendo sim aplicação nos países desenvolvidos;

 Tem fundamentação e necessidade suficientes para ser inserida no Código Penal por meio de uma nova alínea no inciso III, do art. 65, na forma de atenuante genérica da pena, pois teria sua aplicação reforçada e diminuiria a discricionariedade do magistrado no que diz respeito à sua incidência;

 Se trata de um dispositivo defensor do princípio da igualdade por proteger e igualar os hipossuficientes;

 Se positivada, terá natureza benéfica ao réu, podendo retroagir na forma do art. 5º, inciso XL da Constituição Federal.


Bibliografia


CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, volume 1: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2006

MOURA, Grégore Moreira de. Do princípio da co-culpabilidade. Niterói: Impetus, 2006






Um comentário:

  1. gostaria de parabenizar o brilhantismo da materia abordada pelo artigo acima, pois creio em virtude da realidade social brasileira, a discussão sobre a responsabilidade do Estado, a luz dos seus deveres constitucionais torna-se de fundamental importância para a aplicação justa da pena.Insta obtemperar, que o presente adágio tem como fundamento a principal garantia do cidadão frente a sociedade, qual seja, pacto de "São José da Costa Rica".Por Fim, malgrado, seja necessário a exposição das idéias dos estudantes possuidores do conhecimento que obtém o condão de unir o direito à sociologia, mas como tambémque estas ideias sejam amplamente divulgadas.Outrossim,gostaria de parabenizar o brilhantismo do aluno Rodrigo Ferrine da Rocha Costa, pela grandiosidade da pesquisa e maestria na didática abordada, com a consequente elucidação do assunto.

    Aline-Formada em 2009-Tabeliã do Cartório 2 Ofício de Notas da comarca de Itajubá-MG

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