Artigo: Charlatanismo, Curandeirismo e as Religiões Evangélicas Contemporâneas no Brasil

Por Thiago Vieira - 4° C - Direito Unisal

Os artigos 283 e 284 do Código Penal Brasileiro cuidam dos crimes de Charlatanismo e Curandeirismo, respectivamente, sendo estes dispositivos inconstitucionais frente à Constituição da República de 1988.

Segundo CRFB, artigo 5°, VI:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e à suas liturgias;

O crime de charlatanismo impede a publicidade ou a indução de práticas curativas promovidas por ministros de qualquer religião. Ora, torna-se evidentemente inviável a prática religiosa, no que toca à crença no poder curativo de determinada fé, quando não se pode inculcar (fazer crer) ou anunciar (publicar, dar publicidade) os eventos ou atividades religiosas em que se exerce a crença cristã na cura de enfermos de doenças físicas. Versa o artigo 283, CP, in verbis:

Charlatanismo
Art. 283 - Inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

A redação do artigo supra é infeliz, haja vista que grande parte das induções religiosas e crenças em “milagres’ promovidos por intermédio de indivíduos que, conforme a direção religiosa, tem poderes sobrenaturais dados por entes espirituais, são, obviamente, meios secretos, na melhor acepção do termo, qual seja, não identificáveis pela razão humana. Da mesma forma, a transmissão do ministro religioso de sua fé, traz no bojo da declaração proferida a certeza de infalibilidade do meio aplicado, pois, se assim não cresse, não promoveria atividade curativa baseado em sua religião.

Quanto ao crime de Curandeirismo, da mesma feita o dispositivo não é compatível com a liberdade de crença religiosa. O art. 284, Código Penal, tem o seguinte teor:
Art. 284 - Exercer o curandeirismo:
I - prescrevendo, ministrando ou aplicando, habitualmente, qualquer substância;
II - usando gestos, palavras ou qualquer outro meio;
III - fazendo diagnósticos:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.
Parágrafo único - Se o crime é praticado mediante remuneração, o agente fica também sujeito à multa.

Segundo o inciso I, artigo 284, CP, é fato típico ministrar ou aplicar, habitualmente, qualquer substancia. Note-se que ao se visualizar as religiões evangélicas contemporâneas, é usual a solicitação de ministros para que seus fiéis coloquem garrafas de água de fronte à seus televisores, rádios ou diante do altar do templo religioso, sendo que ao ser “abençoada” a água poderá ser meio para curas milagrosas. Ora, a água potável, quer seja “orada” ou não, não é meio idôneo para causar qualquer risco à saúde ou a integridade física da pessoa. Desta feita, ministrar água abençoada é hoje fato típico, o que, naturalmente, não coaduna com a realidade fática e com o comando constitucional.

Nos termos do inciso II, veda-se o uso de gestos. Tal dispositivo é absolutamente incoerente, pois impede que atos simples e fundamentados na fé cristã, como a imposição de mãos, sejam tipificados como se representassem risco à algum bem jurídico penalmente tutelável.

Por fim, o inciso III é o mais coerente dentre todos, uma vez que tutela diretamente a integridade física dos fieis. Não é razoável que se autorize qualquer individuo, por mais que se reconheça qualquer potencial sobrenatural em suas atividades, que efetue diagnósticos. Ora, o diagnostico é um passo fundamental para o tratamento de qualquer enfermidade, sendo equivocado e sem acuidade técnica remeterá ao uso de tratamento igualmente inadequado, colocando em risco o individuo que se submete a tal procedimento. No entanto, pode-se observar que tal inciso estaria melhor alocado no crime de previsto no artigo 282, CP.

O anteprojeto do Código Penal busca dar uma solução superficial ao conflito de constitucionalidade evidente no artigo 284, CP, propondo a inclusão de um novo parágrafo que versa acerca de uma causa de exclusão da ilicitude quando a substância ministrada não culminar em perigo concreto à vida ou saúde da pessoa, prezando o ato que for praticado de boa fé e sem remuneração. A solução proposta dá tom de bom senso ao crime de Curandeirismo, liberando assim as atividades sem qualquer nocividade, que fazem parte da crença religiosa, in casu, da prática cristã protestante.

No entanto, o anteprojeto do Código Penal não faz qualquer alteração no crime de charlatanismo, mantendo assim esse dispositivo inconstitucional, e, de fato, em absoluto desuso.

Com base na fé cristã protestante, os dispositivos dos artigos 283 e 284, CP são nitidamente inconstitucionais, pois a cura se encontra entre uma das bases da fé cristã evangélica. Para os seguidores de tal religião fundamenta-se a crença na cura, entre outros, pelo texto contido no livro de Isaias, 53: 4-5, in verbis, que remete à Jesus Cristo, personagem central da fé protestante:

4 - Verdadeiramente ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus, e oprimido.
5 - Mas ele foi ferido por causa das nossas transgressões, e moído por causa das nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados.

Não obstante, outros diversos relatos anteriores e posteriores à suposta passagem de Cristo pela Terra, fundamentam o exercício de praticas curativas e a propagação desta fé em grande crescimento numérico atualmente no Brasil, sendo portanto, inconcebível a limitação proposta pelo legislador Penal ao exercício da liberdade religiosa.

Referencias Bibliográficas
Isaías. Português. In: Bíblia sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. São Paulo: Bíblia de Estudo Esperança, 2000. p. 501-502. Edição Nova Vida. Bíblia. A. T.
BRASIL. Decreto Lei n. 2840, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm. Aceso em 25 de abril de 2010.
BRASIL. Anteprojeto do Código Penal Brasileiro. Disponível em http://fadisete3d.vilabol.uol.com.br/cpenal.htm. Acesso em 25 de abril de 2010.

Bibliografia:

Bíblia sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. São Paulo: Bíblia de Estudo Esperança, 2000. Edição Nova Vida. Bíblia. A. T.
BRASIL. Decreto Lei n. 2840, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm. Aceso em 25 de abril de 2010.
BRASIL. Anteprojeto do Código Penal Brasileiro. Disponível em http://fadisete3d.vilabol.uol.com.br/cpenal.htm. Acesso em 25 de abril de 2010.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 11ª edição, 2007

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